É possível identificar a verdadeira autoria de postagens anônimas e de falsos perfis na “internet”?

Michael Treu
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“Sim, é possível valer-se das disposições do Marco Civil da Internet (MCI) — Lei 12.965/2014 — e buscar judicialmente a identificação do responsável.

Inicialmente, para melhor compreender como isso ocorre, é preciso conhecer alguns termos:

  • Aplicações da internet são o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por um terminal conectado à internet, a plataforma Facebook, por exemplo.
  • Provedor de aplicações é pessoa jurídica que exerce essa atividade de forma organizada, profissional e com fins econômicos, por exemplo, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.
  • Provedor de conexão é quem atribui o endereço IP ao usuário para que este se conecte aos provedores de aplicações. É pessoa física ou jurídica cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP, a qual administra blocos de endereço IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento. Popularmente, são chamados provedores de “internet”.

Dito isto, para identificar o verdadeiro autor de postagens e de falsos perfis na rede, é possível ingressar com ação judicial em face do provedor de aplicação, para que este forneça a data, a hora de início e de término da conexão, sua duração, e o endereço IP que realizou as publicações, e, a partir daí, acionar o provedor de conexão para informar os dados cadastrais do usuário.

Contudo, é preciso estar atento quanto ao prazo, isso porque o dever de manter os registros das informações é limitado ao tempo. Os provedores de conexão têm o dever de guardar os registros pelo período de 1 ano, enquanto os provedores de aplicação o fazem pelo prazo de 6 meses.

Ademais, embora não seja mencionado pela legislação, os provedores de aplicações e de conexão devem também guardar e apresentar os dados relacionados à porta lógica de origem associada aos endereços IP, porque esta informação é o que permite identificar o usuário que esteja compartilhando um mesmo número de endereço IP com outras pessoas.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERNET. PROVEDOR DE APLICAÇÃO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. ENDEREÇO IP. PORTA LÓGICA DE ORIGEM. DEVER. GUARDA DOS DADOS. OBRIGAÇÃO. MARCO CIVIL DA INTERNET. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. 1. Ação ajuizada em 15/06/2015. Recurso especial interposto em 17/05/2018 e atribuído a este gabinete em 09/11/2018. 2. Ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela antecipada, na qual relata a recorrida que foi surpreendida com a informação de que suas consultoras estariam recebendo e-mails com comunicado falso acerca de descontos para pagamento de faturas devidas à empresa. 3. O propósito recursal consiste em definir a obrigatoriedade de guarda e apresentação, por parte da provedora de aplicação de internet, dos dados relacionados à porta lógica de origem associadas aos endereços IPs. 4. Os endereços IPs são essenciais arquitetura da internet, que permite a bilhões de pessoas e dispositivos se conectarem à rede, permitindo que trocas de volumes gigantescos de dados sejam operadas com sucesso5. A versão 4 dos endereços IPs (IPv4) esgotou sua capacidade e, atualmente, há a transição para a versão seguinte (IPv6). Nessa transição, adotou-se o compartilhamento de IP, via porta lógica de origem, como solução temporária. 6. Apenas com as informações dos provedores de conexão e de aplicação quanto à porta lógica de origem é possível resolver a questão da identidade de usuários na internet, que estejam utilizam um compartilhamento da versão 4 do IP. 7. O Marco Civil da Internet dispõe sobre a guarda e fornecimento de dados de conexão e de acesso à aplicação em observância aos direitos de intimidade e privacidade. 8. Pelo cotejamento dos diversos dispositivos do Marco Civil da Internet mencionados acima, em especial o art. 10, § 1º, percebe-se que é inegável a existência do dever de guarda e fornecimento das informações relacionadas à porta lógica de origem. 9. Apenas com a porta lógica de origem é possível fazer restabelecer a univocidade dos números IP na internet e, assim, é dado essencial para o correto funcionamento da rede e de seus agentes operando sobre ela. Portanto, sua guarda é fundamental para a preservação de possíveis interesses legítimos a serem protegidos em lides judiciais ou em investigações criminais10. Recurso especial não provido. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.777.769-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660). (Grifou-se).

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE APLICAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO DO DISPOSITIVO UTILIZADO PARA ACESSO À APLICAÇÃO. INDICAÇÃO DO ENDEREÇO IP E PORTA LÓGICA DE ORIGEM. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ARTS. VII, E 15 DA LEI N. 12.965/2014. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O recurso especial debate a extensão de obrigação do provedor de aplicações de guarda e fornecimento do endereço IP de terceiro responsável pela disponibilização de conteúdo ilícito às informações acerca da porta lógica de origem associada ao IP. 2. A previsão legal de guarda e fornecimento dos dados de acesso de conexão e aplicações foi distribuída pela Lei n. 12.965/2014 entre os provedores de conexão e os provedores de aplicações, em observância aos direitos à intimidade e à privacidade. 3. Cabe aos provedores de aplicações a manutenção dos registros dos dados de acesso à aplicação, entre os quais se inclui o endereço IP, nos termos dos arts. 15 combinado com o art. VIII, da Lei n. 12.965/2014, os quais poderão vir a ser fornecidos por meio de ordem judicial. 4. A obrigatoriedade de fornecimento dos dados de acesso decorre da necessidade de balanceamento entre o direito à privacidade e o direito de terceiros, cujas esferas jurídicas tenham sido aviltadas, à identificação do autor da conduta ilícita. 5. Os endereços de IP são os dados essenciais para identificação do dispositivo utilizado para acesso à internet e às aplicações. 6. A versão 4 dos IPs (IPv4), em razão da expansão e do crescimento da internet, esgotou sua capacidade de utilização individualizada e se encontra em fase de transição para a versão 6 (IPv6), fase esta em que foi admitido o compartilhamento dos endereços IPv4 como solução temporária. 7. Nessa fase de compartilhamento do IP, a individualização da navegação na internet passa a ser intrinsecamente dependente da porta lógica de origem, até a migração para o IPv6. 8. A revelação das portas lógicas de origem consubstancia simples desdobramento lógico do pedido de identificação do usuário por IP. 9. Recurso especial provido. (STJ. 3ª Turma. REsp 1784156/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/11/2019)(Grifou-se).

Assim, o anônimato de que muitos se valem para praticar atos ilícitos é apenas aparente, havendo a possibilidade de pleitear a tutela jurisdicional para alcançar a identificação do autor e sua responsabilização pelos danos causados.

Bibliografia:

BRASIL. Marco civil da internet: Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. P. 10,

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Provedor deve fornecer porta lógica para identificar usuário acusado de atividade irregular na internet. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: < https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a33f5792b2a9a51ddd0111b3ac6e0e76>…. Acesso em: 15/03/2022.

CEROY, Frederico Meinberg. Os conceitos de provedores no Marco Civil da Internet. Migalhas.com.br, 2014. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/211753/os-conceitos-de-provedores-no-marco-civil-da-internet>. Acesso em: 15/03/2022.”

Por  Ana Carolina Andrade Vasconcelos

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