Direito à visita íntima para casais homossexuais

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Diz o artigo , “caput” e inciso I, da Constituição Federal Brasileira de 1988:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Muito se escreve sobre a igualdade entre os homens, pois a mesma é fundamental para a o Estado Democrático de Direito, bem como é garantida no “caput” do artigo  da nossa Constituição Cidadã, ressaltada acima, até mesmo de forma redundante: “Todos são iguais”, “sem distinção de qualquer natureza”, “garantindo-se… A inviolabilidade do direito… À igualdade”. Porém, apesar de o Princípio da Igualdade parecer ser plenamente reconhecido pelo ordenamento jurídico, o mesmo é constantemente desrespeitado.

Sempre que se fala em direito à igualdade, paralelamente se fala em direito à diferença. O ser humano tem o direito de ser diferente do seu semelhante, tem direito a gostar de estilos de música diferentes, de cores diferentes, de decorações diferentes, de estratégias de investimentos diferentes, e por fim, de ter a sua orientação sexual diferente. Essa última diferença será a tratada a seguir.

Os critérios a justificar a seleção de casos para uma análise qualitativa – e não quantitativa – são os seguintes: a) traduzem novos desafios não contemplados pelos textos normativos; b) acenam à construção da concepção da igualdade material e do reconhecimento de identidades; e c) demandam criatividade e ousadia por parte das Cortes, mediante recurso à interpretação evolutiva, culminando em decisões paradigmáticas, que se referem a situações originalmente não previstas pelos tratados ou pela Constituição brasileira.[2]

No entanto, o homofobismo, seja por ódio, desejo, ou poder, impregnado na cultura popular brasileira, não permite aos homossexuais a igualdade de direitos defendida pela nossa Constituição Federal.

O casal homossexual não pode se casar. A travesti, e a mulher transexual não podem se beneficiar da Lei Maria da Penha, nem podem se beneficiar da aposentadoria reduzida em razão do seu gênero.

Outro direito cerceado aos casais homossexuais é a proibição do direito de visita íntima homossexual nos presídios e cadeias.

O direito à visita íntima é assegurado aos homens e mulheres condenados, ou presos cautelarmente. Especificamente no caso das mulheres, é regulamentado pela Resolução SAP – 096, de 27 de dezembro de 2001 que regulamenta a visita íntima para mulheres que cumprem pena em estabelecimentos prisionais de regime fechado e de semi-aberto, subordinados à Secretaria da Administração Penitenciária.

Diz o preâmbulo dessa resolução:

A visita e, em especial, a visita íntima tem por finalidade manter e fortalecer as relações familiares com a pessoa privada de liberdade;

O direito à visita íntima é assegurado a todo indivíduo privado de liberdade; Homens ou mulheres, privados de liberdade, têm direitos e deveres garantidos em igualdade.

Dessa forma, verifica-se que o embasamento para a concessão do direito à visita íntima é o da dignidade da pessoa humana, da igualdade e para fortalecer as relações familiares, muito embora é sabido que o marido da condenada muitas vezes deixa de a visitar, em razão do machismo e do preconceito ainda inerente a nossa cultura.

Podemos verificar, então, em seu artigo 3º, que esse direito não se estende exatamente à todas as mulheres, senão apenas às mulheres heterossexuais.

Artigo 3º – Será garantido o direito à visita íntima obedecidos os seguintes critérios:

O companheiro deverá comprovar vínculo com a mulher presa por certidão de casamento, registro de nascimento de filhos, visitas regulares ou correspondência…

Fica bem clara a cisão dos direitos. Como comprovar vínculo através da certidão de casamento, se não é permitido ainda o casamento entre casais homossexuais no Brasil? E mais, o próprio artigo diz: COMPANHEIRO, no masculino. Assim é feita a distinção: mulheres heterossexuais possuem tal direito, as homossexuais não.

Absurdo se pensar, pois, se a primeira finalidade de tal regulamentação é fortalecer as relações familiares, e se a família constituída por homossexuais é cada vez mais reconhecida pelo nosso sistema jurídico, sendo reconhecida a sua união estável, concedendo o direito de adoção de menores, porque fazer essa segregação de direitos quando tratamos de presas condenadas ou ainda respondendo processo criminal?

A partir do significado jurídico da “dignidade da pessoa humana” e da “igualdade”, sempre que houver uma relação “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (art. 1.723Código Civil), aí há que se reconhecer a existência de uma união estável. Deve, portanto, ser credora de todas as proteções legais, independente do sexo dos pares que, livremente, decidem constituir uma família nascida do afeto, da cumplicidade, do amor…[3]

Mas há que se verificar progresso em seus direitos. A cada momento são mais reconhecidas as desigualdades e busca-se nivelá-las. Hoje, um casal de homossexuais pode adotar crianças, constituir essa família, ainda que acompanhadas por psicólogos, que na sua maioria das vezes, apoiam essa nova forma familiar.

Soma-se a essa nova tendência a assertiva de que a Constituição Federal assegura a dignidade humana e a igualdade como alguns dos seus princípios, impondo uma interpretação das leis a partir do respeito a esses postulados. Importa dizer que nenhuma lei pode, injustificadamente, estabelecer tratamento diferenciado ou mesmo autorizar condutas violadoras da dignidade de qualquer cidadão. [4]

A dignidade da pessoa humana é o principio basilar vinculado ao núcleo dos direitos fundamentais, e por esta razão, é norma norteadora e fundante para integração e interpretação do ordenamento jurídico. Nesta linha de raciocínio e fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, é que se busca salvaguardar os direitos dos homossexuais em suas uniões afetivas, equiparando seus direitos e deveres, aos estabelecidos para os companheiros na união estável. [5]

O direito de visita íntima está intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana. Garanti-lo apenas para casais heterossexuais é desconsiderar o princípio da igualdade. Dessa forma, visa esse presente artigo demonstrar a clara necessidade da regulamentação desse direito, que hoje é visto, caso exercido, como falta disciplinar e incide em advertência ao condenado, o que impossibilita a progressão de regime.

[2] PIOVESAN, Flávia e DA SILVA, Roberto B. Dias,Constituiçãoo Cidadã de 1988. Rio de Janeiro. Editora Forense, P. 358.

[3] SALES, Dimitri, Op. Cit.

[4] SALES, Dimitri, Família: a que será que se destina?, , advogado e doutorando em Direito Constitucional (PUC/SP), é Assessor de Defesa da Cidadania da Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo. E-mail: dimitrisales@dimitrisales.com.br

[5] SILVA, Maria Amélia Bastia da. União homoafetiva à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Monografia de Especialização em Direito Constitucional. Orientação do Prof. Msc. Dimitri Sales. Faculdade deDireito. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2008.

Renan Nogueira Farah

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